quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Eu...

Eu…

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...
Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...
Sou aquela que passa a ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!


Florela Espanca

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

O Codex 632 - José Rodrigues dos Santos

"Tomás apercebeu-se de uma folha solta, duas linhas firmes, três palavras redigidas com inusitado cuidado, as letras rabiscadas em maiúsculas que pareciam rasgar o papel, a caligrafia revelando contornos obscuros, insinuantes, como se encerrasse uma arcaica fórmula mágica, criada por antigos druidas e esquecida na névoa dos séculos. Quase irreflctidamente, sem saber bem porquê, como se obedecesse a um velho instinto de historiador, aquele sexto sentido de rato de biblioteca habituado ao mofo poeirento dos velhos manuscritos, inclinou-se sobre a folha e cheirou-a; sentiu emergir dali um odor arcano, um aroma secreto, uma fragrância transportada por um mensageiro do tempo. Como um encantamento esotérico, que nada revela e tudo sugere, aquelas palavras indecifráveis exalavam o enigmático perfume do mistério."
MOLOC
NINUNDIA OMASTOOS

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Mais Platão menos Prozac.

As tradições hindu e budista integram as consequências de fazer mal no Karma, uma lei moral de causa e efeito. Como diz o ditado popular, "tudo o que sobe tem de descer". Ou como S. Paulo disse no Capítulo 6, versículo 8 da Epístola aos Gálatas: " porque aquilo que semear o homem isso também segará. Se fizermos o bem, o bem regressará a nós; se fizermos mal, sofreremos o mal. Lou Marinoff

Pensamentos...


Só existem duas coisas infinitas:
o universo e a estupidez humana.
E não estou muito seguro da primeira...


Albert Einstein

Creio...

CREIO...

Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na deusa com olhos de diamantes,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes,

Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,

Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,

Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o amor tem asas de ouro.Ámen.

Natália Correia

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Lágrima de preta


Encontrei uma preta

que estava a chorar

pedi-lhe uma lágrima para analisar.




Recolhi a lágrima
com todo o cuidado

num tubo de ensaio

bem esterilizado.





Olhei-a de um lado,

do outro e de frente:

tinha um ar de gota

muito transparente.





Mandei vir os ácidos,

as bases e os sais,

as drogas usadas

em casos que tais.




Ensaiei a frio,

experimentei ao lume,

de todas as vezes

deu-me o que é costume:


nem sinais de negro

nem vestígios de ódio,

água (quase tudo)

e cloreto de sódio.

António Gedeão

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Arriscar

Arriscar

Há pessoas
que nunca se interrogam
sobre o que se avista
do alto de uma montanha
ou sobre se é possível
lançar o disco
a 100 metros de distância
Essas pessoas nunca arriscam...

Há pessoas
que nunca perguntam
qual é a causa da pobreza
ou porque é que as outras pessoas
parecem infelizes
Essas pessoas nunca arriscam...

há pessoas que nunca tentam
modificar o que está mal
ou modificar-se
a si próprias.
Essas pessoas nunca arriscam...

Há pessoas que nunca sonham
com um mundo mais justo
nem com a liberdade e a paz.
Essas pessoas nunca arriscam...

Felizmente que
algumas pessoas
são capazes de arriscar.

Leif Kristiansson

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

O Menino de Sua Mãe


O Menino de Sua Mãe

No plaino abandonado
que a morna brisa aquece,
de balas trespassado
duas, de lado a lado,
jaz morto, e arrefece.
Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
alvo, louro, exangue,
fita com olhar langue
e cego os céus perdidos.
Tão jovem! Que jovem era!
(agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
um nome e o mantivera:
“O menino de sua mãe”.
Caiu-lhe da algibeira
a cigarreira breve.
Dera-lha a mãe.
Está inteira a cigarreira.
Ele é que já não serve.
De outra algibeira, alada
ponta a roçar o solo,
a brancura embainhada
de um lenço … deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.
Lá longe, em casa, há a prece:
“Que volte cedo, e bem!”
(Malhas que o Império tece”)
Jaz morto,e apodrece.
O menino de sua mãe.

Fernando Pessoa

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

"Procura a maravilha "

Procura a maravilha.

Onde o beijo sabe

A barcos e a bruma.



No brilho redondo

E jovem dos joelhos.



Na noite inclinada

De melancolia.



Procura.

Procura a maravilha.

Eugénio de Andrade

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Neste Novo Ano...as palavras do poeta:

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
.Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade